quarta-feira, 2 de maio de 2012

Crise Gol - Após ano conturbado, Gol tenta se reerguer



A Gol Linhas Aéreas, empresa da família mineira Constantino – a casta mais influente do transporte rodoviário no Brasil – é um dos exemplos mais contundentes da falta de lógica que prevalece em alguns setores. Enquanto o tráfego aéreo no Brasil cresce mais de dois dígitos há cinco anos consecutivos, a renda dos trabalhadores aumenta sem cessar e o excesso de passageiros transformou o caos em rotina nos aeroportos brasileiros, a Gol padece em meio a prejuízos milionários. A empresa criada em 2001 para ser a primeira low cost brasileira completou sua primeira década com o sabor amargo deixado pelas perdas de 710,4 milhões de reais apenas em 2011. Agora, a companhia corta seu quadro de funcionários, modifica sua estratégia e, às vésperas de 2014, reduz rotas para não derrocar.
Por trás desse pouso forçado da empresa que tentou abraçar o mundo e teve de cortar suas próprias asas, há fatores externos e internos claros: o recorrente custo Brasil, formado pela burocracia do setor, os altos impostos e a ineficiência aeroportuária; a alta do preço do querosene de aviação; a desvalorização forçada do real ante o dólar; e, por último, a dificuldade da companhia em gerir seu crescimento.
Seis anos atrás, a Gol era considerada um dos maiores exemplos de sucesso da aviação. Com 20 milhões de dólares de investimento inicial, Constantino de Oliveira Júnior e seu irmão Henrique, herdeiros de Nenê Constantino, fizeram com que a pequena low cost se transformasse em um gigante com receita líquida de 7,5 bilhões de reais e 35% de participação do mercado brasileiro de transporte aéreo. Ao longo da década, duas compras de peso (Varig e Webjet), estratégias intempestivas, caos aéreo e concorrência acirrada fizeram com que a empresa se transformasse. Seu DNA de preços mais acessíveis e serviços reduzidos evoluiu para um patamar tarifário mais alto, próximo do que é praticado pela TAM, porém, com serviços inferiores. Se, em 2008, o valor de mercado da Gol não era muito menor do que o da concorrente (5,6 bilhões de reais contra 6,9 bilhões de reais), a situação agora é outra. Enquanto a TAM vale mais de 7 bilhões de reais na bolsa, a Gol não passa de 1,36 bilhão de reais.  
Todos esses fatores somados resultaram no que se vê agora: o momento financeiro mais crítico da história da empresa. “Na ansiedade para conquistar mercado, a Gol comprou a Webjet e apertou ainda mais suas contas. Aquele não era o momento apropriado”, afirma Respício do Espírito Santo Júnior, professor da Escola Politécnica da UFRJ. Na avaliação do especialista, a empresa deveria, naquele momento, ter parado com a diminuição de preços, enxugado rotas e capacidade, para só então voltar a crescer nos anos seguintes.
Ocupação baixa - Além do prejuízo verificado em 2011, a taxa de ocupação média da Gol foi inferior à do mercado de aviação: 64,3% contra 70,18%. Isso ocorreu justamente em um ano em que o fluxo de passageiros evoluiu nada menos que 16% no ano. "Uma empresa low cost precisa ter uma taxa de ocupação alta para poder equilibrar os ganhos menores com os custos", afirma Cláudio Toledo, do SNA e ex-economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Por fim, a agência de classificação de risco Moody’s rebaixou na semana passada a nota corporativa da Gol de B1 para B3 e as ações preferenciais da companhia estão cotadas atualmente a um valor 50% inferior ao de 12 meses atrás. A empresa cortou 80 voos regulares e mais de 200 pessoas foram desligadas de seu quadro de funcionários no último mês. 


Tempo nublado – Os problemas da Gol começaram em 2007, com a compra da Varig, por 320 milhões de dólares. Segundo Alexandre de Barros, ex-diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e atual professor da Universidade de Calgary (EUA), a aquisição tinha um alvo claro: os “slots” de Congonhas, que permitiram à empresa incrementar suas operações nas rotas mais rentáveis do país, como a ponte-aérea Rio-São Paulo. Naquele ano, também houve o acidente com o Boeing 1907, que fazia o trajeto Manaus-Brasília, e castigou os ânimos e resultados da empresa, que teve seu lucro reduzido em 60%.


Segundo o especialista, o período foi marcado por tentativas fracassadas de abocanhar participação de mercado da TAM. “A ideia de usar a Varig para oferecer um serviço de qualidade diferenciada foi rapidamente abandonada devido ao alto custo de se manter duas estruturas diferentes, sendo que uma (a de serviços de maior qualidade) é incompatível com a filosofia de baixo custo da Gol”, explica o professor. Além disso, é ponto pacífico no mercado que a empresa de Constantino pagou um preço caro pela companhia falida e não alcançou os resultados esperados.
Voos internacionais - Um exemplo emblemático das tentativas malsucedidas foi a decisão de operar rotas internacionais, em meados de 2008, sem que houvesse uma estratégia bem formulada por trás. A empresa inaugurou rotas para destinos como Madri, Nova York e Paris utilizando aeronaves usadas e pouco eficientes em uso de combustível. Para ganhar mercado, teve de aplicar preços similares aos da concorrência e a conta não fechou. Naquele mesmo ano, os aviões foram tirados de circulação. “A empresa tinha que usufruir os slots da Varig em até 180 dias após a compra, senão perderia o direito. Por isso ela criou essas rotas”, conta Toledo.
As aeronaves ficaram encostadas até 2010, quando a companhia reativou três linhas internacionais – Bogotá (Colômbia), Caracas (Venezuela) e Aruba (Caribe). Nesse período, mesmo com as aeronaves em solo, a Gol continuou pagando os aluguéis das seis aeronaves, que somavam 2,89 milhões de dólares por mês.
Entre 2009 e 2010, o lucro da empresa refletia os atropelos: recuou 76%, de 890,83 milhões de reais para 214,19 milhões de reais. Em paralelo, problemas no sistema de gestão de recursos humanos em 2010 resultaram em um erro de cálculo do número de funcionários necessários para atender a demanda do setor – problema que também ocorreu na TAM. O efeito disso foi uma série de greves de pilotos e comissários que reclamavam do excesso de trabalho. Para tentar reverter o quadro, a empresa fez uma série de contratações que acabaram superando a necessidade do setor.
O fator cambial – Se o dólar não tivesse se valorizado, graças às medidas de controle cambial anunciadas pelo governo, o resultado da empresa não seria tão prejudicado, já que seus custos são em dólar - e as dívidas também. No caso da Gol, 60% de seus gastos são dolarizados. Cláudio Toledo, do SNA e Dieese, estima que mais de 50% do prejuízo de 710 milhões de reais vieram da valorização da moeda americana em 12,15% no ano passado.
Mas talvez o problema mais latente tenha sido o aumento de 29,3% no preço do querosene de aviação, derivado do petróleo, ao longo de 2011. O combustível representa aproximadamente 35% dos custos de uma empresa aérea e pode determinar sua sorte. A situação financeira agravou-se ainda mais porque a conta não foi repassada em sua totalidade ao consumidor, já que a Gol mantém uma constante briga tarifária com a TAM.
Outro passo azarado ocorreu no mercado financeiro. As operações feitas com derivativos de dólar para cobrir perdas com a oscilação da moeda acabaram piorando o quadro da empresa. “A TAM teve sorte e conseguiu equilibrar suas operações com uma aposta certa no dólar. A aposta da Gol foi errada”, diz um analista da empresa que preferiu não ter seu nome citado.
A reestruturação – Para tentar reverter as perdas, a Gol demitiu, cortou rotas, cancelou a distribuição do “lanchinho” em 250 voos e mudou novamente sua estrutura administrativa. Ricardo Khauaja, que ocupava a vice-presidência de clientes e mercado, deixou a companhia. Na ocasião, outros 30 executivos foram desligados. Esta foi a quarta mudança de gestão da Gol em seus 11 anos de existência.
Em paralelo, a empresa começou a demitir outros 112 técnicos de seus 430 despachantes de voo. A medida foi tomada após a conclusão, no início de abril, da automatização do sistema de balanceamento das aeronaves, que faz a pesagem de bagagem, passageiro, carga e combustível dos voos e mantém o equilíbrio da aeronave. Segundo a empresa, as 61 bases pelo país serão desativadas e concentradas em Congonhas (SP), em uma central que fará todo o gerenciamento deste procedimento remotamente. Dezessete técnicos já foram transferidos para a central. Além disso, a assessoria da Gol reafirma que o restante dos funcionários não serão demitidos, e sim realocados em outras funções dentro da companhia.
Contudo, Rodrigo Maciel, funcionário da Gol e diretor do Sindicato dos Aeroviários de Guarulhos disse ao site de VEJA que as demissões estão a todo vapor e que o órgão está elaborando um documento para entrar com uma reclamação junto ao Ministério Público do Trabalho (MPT).
Horizonte - As mudanças ainda não surtiram efeito na empresa, mas há vozes otimistas em relação a elas. Guilherme Abdalla, advogado especializado no setor, não acredita em uma piora da situação no curto prazo. “Não vejo possibilidade de uma companhia nessas condições quebrar”, afirma, reiterando que a empresa contará com um mercado que continuará crescendo dois dígitos em 2012 e com a credibilidade que ainda tem junto a credores e fornecedores. Para Adolpho Carvalho, advogado especializado em setor aéreo do escritório Pinheiro Netto, o período atual é transitório. “A Gol não é uma Varig, uma Transbrasil e está longe de ser uma Vasp. Não podemos colocar as empresas na mesma cesta”, avalia.
A situação pode melhorar ainda mais rápido se houver o empurrãozinho do governo, que estuda, nos bastidores, medidas para ajudar as empresas aéreas brasileiras, tais como desoneração de folha de pagamento, redução do preço do querosene por meio de ajuda da Petrobras e pressão aos estados para redução do Imposto sobre Circulação de Mercadores e Serviços (ICMS). “Três anos atrás isso seria impossível. Mas esse governo tem se mostrado tão intervencionista que eu não ficaria surpreso se isso acontecesse. Afinal, a Petrobras já faz isso com a gasolina. E, no final, as empresas aéreas precisam mesmo desse tipo de ajuda hoje”, comenta um especialista do setor, que preferiu não ter seu nome citado. Conspira a favor também o fato de parte da família Constantino viver em Brasília e circular tranquilamente junto aos poderosos da República.
Fonte: Veja




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