O engenheiro Valdir Varella, diretor da construtora Skanska, postou-se na fila de embarque para a ponte aérea às 5h40 do dia 6, uma sexta-feira, em São Paulo. Viajante assíduo, ele tem uma tática para se posicionar. “Fico esperando os pilotos entrarem, aí sei que vão chamar dali a pouco”, diz. Às 22h40, o árbitro assistente Luiz Antonio Muniz foi o último a deixar o avião que vinha do Rio de Janeiro. No sábado, ele atuaria no jogo entre Ponte Preta e Internacional, em Campinas, pelo Campeonato Brasileiro.
Entre a chegada de Varella para o primeiro voo da Gol daquele dia e a saída de Muniz do último, a ponte aérea entre os aeroportos de Congonhas e Santos Dumont movimentou cerca de 11 000 passageiros em 144 pousos e decolagens. De acordo com a Infraero, quase 4 milhões de pessoas fizeram a rota em 2012, ou 26% a mais do que cinco anos antes. Um crescimento puxado pelo aumento dos negócios entre as duas cidades e pela quantidade cada vez maior de cariocas trabalhando por aqui, mas mantendo residência fixa na capital fluminense. Estimativas conservadoras entre os executivos das companhias aéreas indicam que, dos cerca de 75 000 passageiros semanais, uns 7.000 voam toda segunda e sexta. “O viajante típico da ponte é o sujeito que chega ao saguão com o laptop, sem bagagem e muitas vezes até sem passagem, querendo embarcar logo no primeiro voo disponível”, diz o diretor de planejamento de malha da Gol, Claudio Borges.
Para atender esse contingente, uma série de novidades está sendo implantada, a mais importante na rota: um novo sistema de navegação encurtará o trajeto em 126 quilômetros. Com isso, a Aeronáutica estima que o tempo de viagem passará a ser de 36 minutos, oito a menos que hoje. Cerca de 85% das aeronaves têm condições de se adaptar ao sistema. O congestionamento também vai diminuir. Atualmente, há quatro “estradas” no céu para viagens entre Rio e São Paulo. Uma quinta será criada para tirar dali os aviões que vão para Campinas, o que vai liberar espaço para mais voos. Em suma, é como duplicar a “Dutra dos ares”. Para monitorar esse tráfego intenso, uma nova torre foi inaugurada em Congonhas em abril. Com 44 metros de altura, o dobro da antiga, ela melhorou a visibilidade dos controladores. As companhias aéreas também criaram uma série de artifícios para disputar os clientes da linha, que representa 5% do movimento no país. A Gol passou a priorizar os fingers (pontes que ligam o avião ao terminal), evitando o percurso de ônibus pela pista. A empresa também bloqueou catorze assentos do meio para clientes fiéis — ou a quem se dispuser a desembolsar o valor adicional de 30 reais — viajarem com mais espaço.
Há ainda a possibilidade de realizar o check-in pelo celular. O autoatendimento (pela internet, por telefone ou totem no aeroporto), aliás, é um sucesso na rota. Enquanto a média de uso desses dispositivos costuma girar em torno de 50% entre os demais passageiros, na ponte aérea o índice chega a 80%. “Em dois anos teremos implantado um sistema em que a pessoa comprará a passagem pelo smartphone e o passará em um leitor para embarcar, sem papel”, afirma o diretor de operações da companhia, Pedro Scorza. A TAM, que disponibiliza 39% dos assentos do trecho (a Gol detém 49%), oferecia na semana passada um bilhete promocional por 87 reais, desde que adquirido com catorze dias de antecedência e que o viajante fique um sábado ou domingo no destino. Sem essa condição, a passagem mais barata na linha custa 90 reais (Avianca), se for comprada um mês antes da viagem. A mais cara sai por 880 reais (TAM), e a média é 485 reais. Para voar no mesmo dia, o menor preço é 955 reais (Avianca) e o maior, 1 591 reais (Gol), com média de 1.273 reais (dados da última quinta). A Avianca introduziu a opção de adiantar a viagem, adotada por outras companhias, e transferiu para Guarulhos algumas linhas, como a de Curitiba. “Hoje, a maioria de nossos voos de Congonhas tem o Rio como destino, para abrir mais horários”, diz o presidente da empresa, José Efromovich. A Azul oferece apenas uma ida e volta semanal, aos sábados.
Em geral, os passageiros são homens, com 40 anos, em média, que viajam a negócios (60%) e pertencem às classes A e B (90%). O franco-alemão Sven Volodia Loison, diretor no Brasil da empresa de assistência Inter Partner, trabalha em São Paulo e mora no Rio no fim de semana. Com 48 voos neste ano, é um dos oito mais assíduos da Avianca. “Os funcionários me conhecem, muitas vezes nem preciso pedir a bebida, a comissária já traz o meu guaraná zero”, diz. Ainda mais frequente é Valter Hime, diretor da Generali Seguros. Só neste ano, ele voou mais de sessenta vezes. Carioca radicado em São Paulo há dezoito anos, viaja toda semana a trabalho. Do momento em que deixa sua casa, no Morumbi, até se sentar à sua mesa de trabalho, no centro do Rio, a mais de 400 quilômetros de distância, ele gasta menos de duas horas. “É como se fosse um trajeto normal em São Paulo, com a diferença que eu sei exatamente quanto tempo vai demorar”, afirma.
Executivos como Loison e Hime predominam pela manhã. À tarde, o público se diversifica com famílias, grupos de turismo e dezenas de artistas. Há até um voo conhecido como “o corujão das estrelas”, que parte no fim da noite de domingo de São Paulo levando atores, após encenarem peças por aqui no fim de semana, de volta à capital fluminense, onde moram ou gravam novelas e programas. A apresentadora Sabrina Sato, da Band, circula pelo trecho pelo menos uma vez por semana desde o ano passado, em dias variados. Além dos diversos compromissos profissionais, ela também vai ao Rio por questões sentimentais: visitar o namorado, o produtor João Vicente de Castro, um dos criadores da websérie Porta dos Fundos. “Viajo sempre na janela e na primeira poltrona, para esticar as pernas, conversar com as aeromoças e pedir um lanche a mais”, brincou Sabrina na quinta (12), poucas horas antes de embarcar.
Para atender viajantes experientes como esses, a tripulação recebe um treinamento especial. Dependendo da companhia, são três ou quatro comissários que dão avisos de segurança, servem bebida e lanche e fazem o que mais for preciso. “Nosso passageiro não dá trabalho porque sabe como as coisas funcionam, mas exatamente por isso é mais exigente também”, diz o chefe de cabine Edilson Emiliano, há nove anos nessa rota. Ele conhece diversos clientes pelo nome. “A gente acompanha desde o crescimento dos filhos até tratamento de saúde. Quando me despeço de cada um, não digo ‘tchau’, mas ‘até logo’”, conta. A tripulação faz até cinco voos por dia. O comissário Alexandre Souza Lima, acostumado com esse vaivém, escolheu uma aeronave como cenário para pedir, pelo alto-falante, uma colega em casamento, há dez anos. As alianças foram trocadas ali mesmo, sob aplausos dos passageiros. “Aqui é nossa segunda casa. Não tinha por que ser em outro lugar”, explica.
Não é só quem atua nos corredores dos aviões que precisa de instrução especial. Os integrantes da cabine de comando também. As características das duas pistas, principalmente a do Santos Dumont, com seus apertados 1 350 metros de extensão cercados por acidentes geográficos dos mais variados tipos, tornam a operação de pouso e decolagem praticamente única no espaço aéreo brasileiro. “Hoje a aviação está cada vez mais automática, mas, para pousar no Rio, próximo ao Morro Dona Marta e ao Pão de Açúcar, é preciso ter treino diferenciado e concentração total. Não é comum manobrar tão perto de obstáculos”, diz Franklin Laskeviz, piloto com 8 000 horas de voo na linha, entre 1993 e 2007. “Quem trabalha na ponte aérea é uma elite. Faz bem para o ego, porque ali é preciso ter ‘braço’. Existe até uma piada que diz que, no Santos Dumont, você vai de comandante a almirante em um pulo”, brinca, sobre a proximidade com a Baía de Guanabara e citando a mais alta patente da Marinha.
Os voos regulares entre Rio e São Paulo começaram em 1936, em pequenos trimotores Junkers 52 de dezessete lugares. Mas o conceito de ponte aérea surgiu apenas em 1959, criado, por executivos das antigas Cruzeiro, Varig e Vasp. Para driblarem a concorrência com a também extinta Real, as três companhias coordenaram suas operações e passaram a oferecer, em conjunto, decolagens a cada hora. Os passageiros também ganharam a possi-bilidade de trocar o bilhete e entrar no primeiro voo disponível, sem reserva e independentemente da companhia. Quem esperava até três ou quatro horas passou a embarcar em minutos.
Um desastre marcou o negócio logo em seu ano de estreia: um choque no ar entre um Viscount da Vasp e um avião da Força Aérea matou 33 ocupantes e cinco pessoas no solo. Outros acidentes ocorreriam em 1962 (26 mortos), 1972 (25) e 1973 (oito). Os episódios levaram as autoridades a reservar a rota apenas aos quadrimotores. Assim, em 1975, começou o reinado exclusivo do lendário turboélice Lockheed L-188 Electra (nos céus brasileiros desde 1962), com noventa assentos e velocidade de cruzeiro de 600 quilômetros por hora. Internamente, contava com uma charmosa “saleta” para reuniões. Até 1992, quando foram substituídos por jatos Boeing 737-300, os Electra seriam absolutos na linha, e até hoje são lembrados como sinônimo de ponte aérea.
Em 1996, um Fokker 100 da TAM caiu no Jabaquara matando 99 pessoas. Três anos depois, o acordo da ponte aérea entre as empresas chegou ao fim. “A Varig tomou a decisão, mas a Vasp também tinha interesse em desfazer a parceria e a TransBrasil não se importava”, conta o publicitário Gianfranco Beting, diretor de marketing da Azul e especialista em aviação, com oito livros publicados sobre o assunto. Hoje, em um mercado extremamente competitivo, não há mais contato entre as companhias, mas a iniciativa de décadas passadas manteve a expressão “ponte aérea” como um carimbo na ligação entre Rio e São Paulo pelos ares. Ela sobrevive diariamente, repetida nos balcões de check-in e nas salas de embarque de Congonhas ou do Santos Dumont.
UMA BOA VIAGEM
As dicas de passageiros assíduos para otimizar o embarque e o voo
1. Para admirar a paisagem, sente-se em uma poltrona à direita. Dependendo do trajeto, saindo de São Paulo, é possível ver a orla. Voltando do Rio, o cenário é o Cristo Redentor e o Pão de Açúcar
2. Se for trabalhar durante o voo, escolha lugares ao lado da saída de emergência, sem passageiros à frente. Assim, consegue um espaço maior para o laptop
3. Você é alto e fica espremido quando o passageiro da frente reclina a poltrona? Pegue uma cadeira no corredor e estique uma perna para fora
4. O estacionamento de Congonhas é caro. Mas, dependendo da duração da viagem, pode valer mais a pena pagar pela vaga do que pelo táxi
5. Para ganhar tempo, escolha um assento na frente e no corredor, faça check-in pela internet e carregue apenas uma bagagem de mão
HISTÓRIA NOS ARES
Os marcos da ligação aérea entre as duas cidades
1936 - A Vasp oferece o primeiro voo regular entre Rio e São Paulo
1959 - Cruzeiro, Varig e Vasp criam a ponte aérea, que oferece o embarque imediato em uma das três companhias, sem necessidade de reserva
1975 - O turboélice Electra se torna exclusivo na linha
1992 - Substituído pelos jatos Boeing 737-300, o Electra para de voar na rota
1996 - Na pior tragédia do trecho, um Fokker 100 da TAM cai no Jabaquara e mata 99 pessoas
Fonte: Revista Veja São Paulo
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