O Airbus 320 da TAM, que fazia o voo JJ3054 naquele 17 de julho de 2007, tocou o trem de pouso na pista escorregadia e molhada do aeroporto de Congonhas, na Capital. Com problema no sistema de freios, avançou pelo curto trecho a 170 km/h, ultrapassou a área de escape e sobrevoou brevemente a Avenida Washington Luís no horário do rush. Eram 18h48 quando bateu no prédio da TAM Express, explodiu e matou 187 pessoas a bordo, entre passageiros e tripulantes, além de 12 que estavam em terra. Do total, seis vítimas eram do Grande ABC. Na terça-feira, a tragédia anunciada completa cinco anos.
Anunciada porque, conforme investigações, foram feitos diversos relatos de problemas tanto com a pista de Congonhas quanto com a aeronave. Com base nisso, o procurador da República do MPF (Ministério Público Federal) Rodrigo De Grandis denunciou, no ano passado, o diretor de segurança de voo da TAM à época, Marco Aurélio dos Santos de Miranda e Castro, o vice-presidente de operações da TAM, Alberto Fajerman, e a diretora da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), Denise Maria Ayres Abreu.
O processo está na 8ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo. Conforme o órgão, o juiz analisa agora a defesa por escrito dos acusados. Segundo De Grandis, os familiares das vítimas terão de esperar mais dois anos até que os culpados sejam punidos.
O procurador destaca, porém, que não os denunciou por homicídio, e sim por negligência e imprudência. "No caso dos funcionários, eles deixaram de agir ao, tendo conhecimento das péssimas condições da pista, em especial em dias de chuva, não terem impedido a aeronave de pousar no local." Além disso, conforme a denúncia, Castro e Fajerman deixaram de informar os pilotos sobre mudanças na operação do avião com um dos reversores, que fazem parte do sistema de freios, desativado.
Na avaliação de De Grandis, a diretora da Anac foi imprudente ao liberar a pista do aeroporto após reforma sem a realização do sistema de grooving, ranhuras no asfalto que aumentam o atrito e, consequentemente, ajudam as aeronaves a parar. "Além disso, no início do ano o Ministério Público Federal havia pedido a interdição completa da pista principal, mas a senhora Denise empreendeu todos os esforços junto ao Tribunal Federal para garantir que era segura e poderia continuar em operação."
Na opinião de De Grandis, a diretora da Anac, que deveria prezar pela segurança dos passageiros, foi motivada por fatores econômicos. "Manter fechada a pista do então aeroporto mais movimentado do País traria prejuízos", avaliou.
Caso sejam condenados, a pena prevista para esse tipo de crime é de até seis anos, incluindo os agravantes.
ESPERA
Para Roberto Côrrea Gomes, integrante da Afavitam (Associação dos Familiares e Amigos das Vítimas do Voo da TAM) e irmão do passageiro Mário Gomes, a expectativa em apontar os culpados não cura o sofrimento de perder entes queridos. "Nossa dor passou em horário nobre de televisão. A Justiça deve ser feita, mas o sentimento não muda."
Familiares de vítimas inauguram memorial no local da tragédia
Na terça-feira, parentes das 199 vítimas do voo JJ3054 estarão reunidos em São Paulo e Porto Alegre para lembrar os cinco anos da tragédia e para a inauguração da Praça Memorial 17 de Julho, construída no local onde antes ficava o prédio da TAM Express, atingido pela aeronave, na Avenida Washington Luís.
Das 14h às 14h40, está prevista manifestação no Aeroporto de Congonhas. Às 17h30, será celebrada missa ecumênica envolvendo líderes de várias religiões. Às 18h51 os presentes farão um minuto de silêncio para registrar o horário exato do acidente, conforme as famílias. Em seguida, inicia-se a solenidade de inauguração.
Conforme o assessor de imprensa voluntário Roberto Côrrea Gomes, irmão da vítima Mário Gomes, de Porto Alegre, além da inauguração da praça, o evento terá também cunho filantrópico. "Os familiares das vítimas irão doar fraldas descartáveis para 199 bebês, representando o número de vítimas do voo da TAM", explicou. As doações serão encaminhadas para o Hospital e Maternidade Cachoeirinha, na Zona Norte de São Paulo.
PORTO ALEGRE
Em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, cidade de onde o avião partiu, também serão realizadas homenagens. Às 14h, os familiares estarão reunidos no Largo da Vida, rotatória localizada na Avenida Severo Dullius (em frente ao Ibis Hotel), junto ao Aeroporto Salgado Filho. Os parentes enfeitarão com flores e fitas o espaço, dedicado à memória das vítimas, além de fazer orações. Ao longo da avenida, foram plantadas 199 árvores, ainda em 2008.
Às 15h, haverá manifestação no Aeroporto Salgado Filho e às 18h30 será realizada missa na Catedral Metropolitana de Porto Alegre.
‘Somos familiares mutilados', diz mãe de vítima de S.Bernardo
Para você, quanto vale uma vida? Para os familiares das vítimas do voo JJ3054, R$ 14 mil, incluindo a bagagem. Esse era o valor do seguro obrigatório Reta, pago pela TAM. Em cinco anos, a empresa indenizou parentes de 193 das 199 pessoas mortas na tragédia com o Airbus 320. Muitas famílias renegociaram o valor na Justiça. Para elas, nada paga a perda. "Somos familiares mutilados. Uma parte de nós foi arrancada."
A hoje aposentada Amilde Tavares e Silva, 62 anos, acordou ainda inteira naquele dia 17 de julho de 2007. Foi trabalhar antes da filha, Elaine Tavares da Silva, então com 33 anos. Era dia do rodízio do carro da profissional de marketing da TAM Express e moradora de São Bernardo. "Deixei ela dormindo. E não trocamos nenhuma palavra."
Mãe e filha não tinham o hábito de conversar enquanto estavam no trabalho. "Não ligávamos uma para a outra para não atrapalhar." Elaine ficaria para uma reunião após o expediente, e de qualquer forma só sairia do trabalho depois das 20h, por conta do rodízio. A volta para casa nunca chegou a acontecer.
Por volta das 18h48, o Airbus derraparia na pista do aeroporto de Congonhas, passaria por cima da Avenida Washington Luís e continuaria até bater no prédio onde Elaine trabalhava. Levaria com ele a vida da jovem de olhos castanhos que sorri na foto ao lado da oração que a mãe distribui para todos. Eternizado pela lente de um fotógrafo, o sorriso de Elaine contrasta com os olhos marejados de Amilde, de um azul claro que parece ainda mais acentuado pelas lágrimas. "Minha filha queria fazer pós-graduação. Nossa vida era complicada, só eu e ela na mesma casa. Trabalhávamos para colocar comida na mesa. Mas ela teria um aumento. Não deu tempo. A Elaine foi fazer a pós com Jesus."
LEMBRANÇAS
Em cinco anos, Amilde foi internada duas vezes por problemas de saúde. Passou por cirurgia no coração. Credita tudo à tragédia que acometeu sua família. "Muitos perderam a vida depois que seus parentes se foram. A dor é muito grande. É como uma ferida que forma casca, mas nunca cicatriza." E se abre todas as vezes em que se aproximam datas como Dia das Mães, o aniversário de Elaine ou do acidente, como agora.
A fé foi o que ajudou a mãe a se reerguer. Ela começou a frequentar a igreja batista do bairro Nova Petrópolis em janeiro daquele fatídico ano. Nunca mais saiu de lá. Ali, tem aulas de informática e faz trabalhos filantrópicos, além de participar de grupo que ajuda a lidar com o luto. Para ela, a dor é eterna. "Tento me ocupar e lidar com o sofrimento do outro para entender melhor o meu. Mas nunca vou esquecer o que aconteceu."
Se Amilde espera punição aos apontados como culpados? "Espero que seja feita a Justiça do homem e, mais ainda, a de Deus. Há coisas que só vamos entender quando passarmos para o outro lado. E então haverá respostas para todas as perguntas."
Esposa e filhos enfrentam perda do pai com união e fé
A professora de Santo André Vilma da Silva Lemes de Souza, 48, não come mais pipoca. Nunca mais fez rondeli, muito menos pão caseiro. "Ele adorava o meu pão. Não tive mais coragem de voltar a fazer depois do que aconteceu." Vilma era mulher do metalúrgico e pastor João Valmir Lemes de Souza, que foi para Porto Alegre a trabalho e nunca mais voltou. Ele era um dos passageiros do voo JJ3054.
A família de Vilma ainda sente a dor como se fosse hoje. Tudo aconteceu dias antes do aniversário de 15 anos da filha mais nova do casal, Aline Lemes de Souza. A mãe estava ocupada com os preparativos da festa e não prestou muita atenção quando a televisão começou a exibir imagens do desastre aéreo naquele início de noite.
Antes de embarcar no aeroporto de Porto Alegre com destino a Congonhas, Souza havia ligado para a filha: "Fala pra mamãe que eu estou chegando". A afirmação foi brutalmente interrompida pelo acidente. Os 23 anos que o casal passou junto, sendo três de namoro e 20 de casados, acabaram em fogo e lágrimas.
Foram 13 dias até que o corpo fosse encontrado e pudesse ser identificado pela família. Vilma passou três meses internada no hospital. Tinha desmaios constantes. Por três anos, fez tratamento psiquiátrico e contou com a ajuda da igreja evangélica para enfrentar a dor da perda. Mas garante: o que mais deu forças para que continuasse lutando todos os dias foram os filhos. Além de Aline, Souza era pai de Abner Lemes de Souza, hoje com 22 anos. "Eles sentem muita falta. E precisam que eu esteja presente. São meu motivo para viver."
Fonte: Diário do Grande ABC
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