Humberto Alexandre atua no treinamento de funcionários de empresas aéreas e conta as dificuldades no atendimento das PCDs.
Carregar (ou não) um cadeirante pelo avião, ajudá-lo durante o voo para ir ao banheiro, oferecer atenção diferenciada durante todo o trajeto aéreo: como um funcionário de uma empresa aérea deve se comportar perante uma pessoa com deficiência (PCD)? Para responder a essa pergunta, diversas companhias têm recorrido a Humberto Alexandre e sua empresa, a Melhorando Pessoas, já que o especialista em treinamentos para inclusão, por ser também paraplégico, sabe na pele o que incomoda e o que funciona no atendimento inclusivo.
Segundo ele, cada PCD tem sua forma de receber ajuda. Mas também tem dificuldades em orientar o atendente sobre isso. Alexandre, formado em Administração de Empresas, é cadeirante há 25 anos, por ter sido mal socorrido em um acidente automobilístico. Escreveu o livro O desafio de viver, no qual conta, de forma bem-humorada, os obstáculos cotidianos que enfrentou para ganhar autonomia mesmo em uma cadeira de rodas. Hoje ele vive só e há mais de 12 anos ministra palestras e treinamentos motivacionais, sobre gestão, inclusão e leis inclusivas.
Como adquiriu sua deficiência e como convive com ela?
Humberto Alexandre: Sofri acidente há 25 anos, na rodovia D. Pedro [São Paulo]. Me socorreram errado e, como entre as coisas que quebrei estava a coluna, na hora em que me socorreram lesei a medula. Graças a Deus hoje há socorro, o que faz com que muitas pessoas não tenham uma sequela. Em virtude do ocorrido, fiquei com lesão medular torácica na quinta vértebra, portanto, desde então, permaneço em uma cadeira de rodas.
Em virtude do acidente, perdi emprego, família e amigos, tive de conquistar tudo novamente e claro que, na época, não havia a facilidade que existe hoje para conseguir um emprego. A Lei de Cotas ajuda demais. Para as famílias também, naquela época, era bem mais difícil aceitar do que hoje. A aceitação da condição da pessoa com deficiência está bem melhor, em geral. Tenho muito trabalho, tenho empresa e leciono. Moro só e aprendi a gostar da cadeira.
“Conhecendo cada deficiência, dificuldades e problemas, consigo passar isso aos comissários para que possam realizar um atendimento diferenciado durante o voo”
Em palestra universitária, na cadeira de rodas: “a vida me deu essa capacitação” |
No trabalho, como conciliou desempenho com sua condição?
Não sou comissário, mesmo porque não teria condição de realizar essa tarefa numa cadeira de rodas, mas faço o treinamento deles e leciono a Resolução 09 da Anac, que cuida de atendimento a passageiros com alguma deficiência.
Depois de 25 anos numa cadeira de rodas, com vários amigos com deficiência, conhecendo cada deficiência, dificuldades e problemas, consigo passar isso aos comissários para que possam realizar um atendimento diferenciado durante o voo.
Leciono na TAM e na Avianca, hoje apenas nessas duas, mas já fiz treinamento na Webjet e na Passaredo.
Como é a capacitação que você desenvolve? Você recebeu capacitação diferenciada para trabalhar em sua área?
Aplico a Resolução 09 aos comissários por determinação da Anac e o meu trabalho é levar conhecimento das necessidades dos passageiros para que eles possam ajudá-los da melhor maneira possível. A vida me deu essa capacitação e senti na pele a necessidade desse atendimento. Claro que fui estudar a necessidade de cada passageiro e, depois de 25 anos, não é à toa que existem várias cartilhas de como ajudar esta ou aquela PCD.
“Por mais treinamento que funcionários das empresas aéreas tenham, precisamos ver quem QUER ajudar, quem NÃO quer ajudar e quem NÃO PODE ajudar”
Quem precisa mais de treinamento quando este se trata de passar conteúdos relacionados ao trabalho e também à deficiência: a PCD ou o público geral da empresa?
Na minha visão, todos precisam de orientação. Os profissionais das empresas aéreas têm de seguir padrões e procedimentos e, ainda, ajudar pessoas com alguma dificuldade em lugares muito inacessíveis. Realmente, a dificuldade é enorme. Já as PCDs, algumas já sabem os procedimentos e entendem certas dificuldades por isso. Porém, algumas são impacientes, talvez em virtude de tudo o que já passaram, o que é compreensível. Afinal, ninguém gosta de se machucar, cair etc., ou ainda ser transportado de maneira que muitos dizem ser constrangedora. Mas... ora, primeiro, ninguém nasce sabendo, segundo, não se tem uma forma padronizada de pegar uma pessoa e, terceiro, se não consigo fazer, preciso de ajuda e, se necessito disso, preciso orientar. O que acontece é que, no lado das companhias aéreas, tudo tem horário e eles são rígidos, precisam realizar suas tarefas dentro de padrões e horários. De outro lado, temos pessoas com diversas dificuldades e cada uma com sua maneira de receber ajuda. Há de convir que isso dificulta demais e por mais que perguntemos como podem ser ajudadas, algumas acham isso um constrangimento. Sei bem como pensa uma pessoas que acabou de ganhar uma deficiência e quer provar tudo para todos. Sei também daquele que não quer ajuda de ninguém. Muitas vezes, por mais treinamento que funcionários das empresas aéreas tenham, precisamos ver quem QUER ajudar, quem NÃO quer ajudar e quem NÃO PODE ajudar.
Eventos com a empresa: oportunidade para vender o livro, que agrada com visão bem-humorada da PCD |
Você vê a inclusão acontecendo nas empresas do ramo, em geral?
Hoje a maioria tem muitos colaboradores PCDs. As empresas estão capacitando e contratando, preenchendo vagas ótimas. Vejo, na TAM, várias PCDs bem colocadas. Vejo também PCDs que não querem saber de planejamento de carreira, trocam de emprego para ganhar R$ 20,00 a mais e esquecem que isso irá prejudicá-los no futuro. Acho que ainda falta orientação para os dois lados. As empresas precisam entender que o momento é de capacitar essas pessoas e dar o exemplo que, quanto mais capacitadas forem, mais irão crescer. Ocorrendo isso, será exemplo para próximas gerações. Portanto, quanto mais empresas investirem em treinamento e na educação dessas pessoas, mais qualidade vão ter e mais crescimento.
Fale um pouco sobre seu livro, o que o motivou a escrever, como tem sido o retorno do público em geral.
Escrevi o livro de tanto que pediram, não queria, mas acabei cedendo. Porém, resolvi escrever diferente, mostrando o lado bom, o lado engraçado de uma PCD e agradou demais.
Vendo esse livro nas palestras universitárias que realizo e o público gosta do que lê, pois dá um retorno muito positivo.
Faço um comparativo de antes e depois do acidente e conto casos verídicos de situações ocorridas no cotidiano, mostrando que uma PCD tem, sim, condição de ter uma vida dentro da normalidade.
Fonte:revistasentidos.uol
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